Amon Costa | A Bela e a fera

Amon Costa | A Bela e a fera
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Prefeito Adhemar -SP
Fonte em São Jose do Norte
Seu Ondino Berwig

No ano 1957 foi eleito como prefeito de São Paulo o médico Adhemar Pereira de Barros, em uma época em que a cidade era chamada de “a cidade que mais cresce no mundo”. Em um livro sobre turismo na cidade, Notícia de Turismo, de 1959, São Paulo é apresentada como, “a cidade da moderna arquitetura”, “a cidade das pontes e dos viadutos” e “a cidade do progresso”. Essa modernidade fez com que a cidade remodelasse a maioria de suas praças, demolindo as antiguidades e reconstruindo as mesmas com a influência da arquitetura de Brasília e o concreto armado, o MASP foi construído na gestão de Adhemar.

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Em Gravataí, o prefeito José Linck foi eleito pela segunda vez em 1959, pelo antigo PSD, mesmo partido do ex-presidente Juscelino Kubitschek e parceiro do prefeito Adhemar de SP que se lançaria candidato à presidência da república.

– Porque falar de política se era uma simples coluna sobre a fonte e o chafariz?

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A fonte luminosa era a cereja do bolo da administração progressista e desenvolvimentista de Zeca Linck, pois foi obra de Linck as redes hidráulicas de todo o centro da cidade; antes a cidade era atendida por poços particulares, algumas bicas d’água e o grosso do abastecimento era feito por carros-pipa. -Eureka! O cara que trouxe a água encanada fez a fonte!

O Prefeito Adhemar doou para 4 cidades do Rio Grande do Sul fontes idênticas feitas pelo Sr. Edmundo das Fontes, conhecido construtor de fontes nas décadas de 40-50 nas cidades de São Paulo e Santos; o único custo da prefeitura de Gravataí era de ir buscá-las desmontadas em São Paulo, tarefa para Sr. Cícero Ferreira.

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Ao que tudo indica, a fonte luminosa modelada por Sr. Edmundo era produzida em série, com centenas de cópias espalhadas pelo estado de São Paulo nos anos 1950 e, provavelmente de uma das praças remodeladas, fato não comprovado, nem em qual praça foi e se realmente era de segunda mão.

Praca Borges de Medeiros em 1962
Em 1970 Seu João Borba Maurente de gaúcho e Iara Maurente de prenda

O fato é que o famoso construtor Sr. Ondino Berwig foi o responsável por montar e preparar a parte de alvenaria, o Sr. Miguel fez a instalação elétrica com luzes em neon e a complexa hidráulica ficou com o Sr. Hermes Rolim de Andrade. O Estanislau Berwig (Lau) conta que o Sr. Edmundo teve um acidente gravíssimo em Guaíba em 1964 levando uma das 4 fontes para Santana do Livramento. Uma das pessoas a ser avisada do acidente do Edmundo das Fontes foi o construtor Sr. Berwig, que ainda prestou alguns serviços em uma instalação de fonte bem parecida em na cidade de Tramandaí. Para que fique registrado, segundo Jorge Tafras o Ziloca “Morcego” também participou da construção hidráulica da fonte.

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A polarização política na cidade era tamanha, que espalhou-se um boato na cidade que os opositores de José Linck, os partidários da UDN (União Democrática Nacional ) iriam quebrar e apedrejar a nova fonte. Na noite do dia 8 de abril de 1962 foram ligadas as luzes da fonte luminosa da praça Borges de Medeiros, inúmeras famílias chegavam de todos os cantos, para observar o show de luzes e a beleza das tartaruguinhas, sapinhos, peixes e um grande copo em formato de flor. Os elementos da obra de arte eram feitos de cimento e azulejos azuis.

O local rapidamente ficou conhecido por suas luzes coloridas, que iluminavam o centro à noite. “Era na fonte que aconteciam as paqueras. As mulheres andavam na direção contrária dos homens dando várias voltas em torno das águas “. Muitos são os relatos de jovens e crianças que contrariando a autoridade local tomavam banho na fonte luminosa. O local tornou-se ponto oficial de pedidos de namoros, alguns noivados e uma centena de fotos de casamento; passeios de domingo antes e depois das missas eram eventos oficiais para se fazer no centro de Gravataí.

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“Muitos banhos na fonte aos domingos depois dos churras, nos sítios da redondeza, uma das vezes à noite, fugindo do Cabo Chico.” Teiga Junior

Em 1975 Paulo Gerson Pinedo aos 14 anos com a sua família
Em 1985 A fonte luminosa, com infiltrações, depredada e sem água.

Logo nos primeiros anos (já na década de 1960), a fonte sofreu muito com infiltrações e tubulações quebradas, principalmente pelas enormes árvores e suas raízes que a circundam. Com o passar dos anos, começou a apresentar problemas com as luzes e já no começo dos anos 1970 raramente se via o neon aceso, da mesma forma, a ausência de manutenção nos motores deixava a fonte meses sem esguichar água; para completar, não existia barreira nenhuma que impedisse a depredação e das centenas de pessoas que se banhavam ali. A culminância foi quando em 1983 a copa da flor, feita de cimento, se quebrou depois que algum desconhecido tentou subir.

O que me impressiona é como a história é cíclica, 40 anos depois do surto modernista de Adhemar em São Paulo, a gestão Abílio Alves dos Santos em 1985 começa uma grande reformulação no centro da cidade, instalando as calçadas de pedras portuguesas, um novo sistema de iluminação e uma remodelação urbanística da praça Borges de Medeiros (Praça da Bíblia). A ideia da reforma da praça surge do jovem Vânius Abílio dos Santos secretário do Planejamento, filho do prefeito Abílio Alves dos Santos; Vânius, que no início do ano de 1987, sofreu um grave acidente automobilístico e veio a falecer tragicamente.

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O escolhido para substituir a abandonada fonte luminosa foi o escultor João Alberto Lessa que, no final de 1985 foi chamado ao gabinete de Vânius para debaterem qual seria o desenho, Lessa apresentou 3 versões modernistas para aprovação.

“ O Vânius e o Abílio me chamaram para fazer um novo chafariz, eu achava a antiga fonte linda, fez parte da minha memória, mas como artista fui chamado para um trabalho, a realidade era que a fonte vivia vazia, muitos azulejos quebrados, eles queriam algo mais imponente, mais resistente, fiz 3 desenhos e eles escolheram este que temos hoje.” J.A. Lessa – Escultor idealizador do moderno chafariz.

Em 1988 Esculpindo a Imagem de Nossa Senhora do Rosário para Igreja Matriz
Nos anos 80 instalação de vitrais da Igreja da 72
Em 2008- Com umas das suas esculturas preferidas em madeira

Lessa escolheu os materiais mais resistentes e debateu o projeto com a empreiteira que estava reformando a praça, nos primeiros minutos da demolição da antiga fonte, um cidadão passando em frente às máquinas profetizou “ vocês ainda vão se arrepender muito disso aí”.

João Alberto Lessa não foi escolhido aleatoriamente. Lessa, natural de Gravataí, é um dos grandes artistas da história de cidade, foi responsável por esculpir a imagem da Nossa Senhora do Rosário que durante muito tempo adornou a Igreja Matriz; é o idealizador dos vitrais da Igreja Nossa Senhora das Graças, fez o designer da discoteca Zum-Zum, diversas outras esculturas em chafarizes nas cidades do interior do estado, possui esculturas em Shoppings Centers e alguns monumentos. É dele as esculturas dentro do gabinete do vice-prefeito e do hall de entrada da câmara de vereadores.

“Conheço o Lessa desde os anos 80, foi um dos fundadores da Associação Artística de Gravathay, bah lembro da jornada que foi as duas edições Expovale, na nossa instituição ele é sócio benemérito, AGIR- Associação dos Artistas Visuais do Vale do Gravataí, resumindo, um artista à frente do seu tempo…” Waldemar Max – Artista visual e amigo

O novo chafariz inaugurado em 1986, tinha como marca registrada 3 pombas brancas estilizadas, elas possuem todo um simbolismo, em 1986 a ONU (Organização das Nações Unidas) organizou pelo mundo uma série de atividades para promover a paz, o governo brasileiro da época emitiu selos comemorativos, moedas foram feitas por todo o mundo, monumentos inaugurados, igreja católica se mobilizou em caminhadas, enfim, fazia todo o sentido. As pombas da paz esguichavam água que ao receber os raios de sol promoviam um lindo espetáculo com um arco-íris.

Cartaz da ONU
Selo da Áustria comemorativo ao ano da PAZ

Fica chato ficar escrevendo a mesma coisa, a história se repete, como tudo na vida tem que ter manutenção; anos após a inauguração do Chafariz da Paz, os motores pifaram, a água esverdeou e as pombas voaram. Lessa conta que o Ireno Michels se prontificou a arrumar o chafariz; retiraram as pombas com todo cuidado e guardaram na antiga garagem da prefeitura, pois bem, um terrível vendaval destelhou e destruiu a cidade, não havia mais a verba para reforma e o pior: duas pombas haviam sumido da prefeitura. Lessa conseguiu recuperar uma das pombas que levou para sua casa, aguarda ansiosamente o momento da volta ao seu ninho.

1986 – O chafariz em seus raros momentos com as três pombas da Paz
2021- Um dia lindo de sol ao lado do Chafariz da Paz

O criador J.A Lessa nem sonha o que acontece nas redes sociais e muito menos sabe das dezenas de lendas urbanas envolvendo o Chafariz, o escultor não tem redes sociais. Histórico ou não histórico? Moderno ou retrô? Restaurar ou demolir? Não me arrisco a entrar neste debate pois ele é apegado a sentimentos dos mais profundos, sinceros e verdadeiros. A história material se revela no apego do imaterial.

Quantos namoros se formalizaram na antiga fonte e o moderno chafariz? Quantos encontros? Quantas pessoas choraram ali? Quantos livros e poemas lidos nos bancos do entorno das águas? Quantos olhares? Lessa me conta que certa vez em um debate na praça alguém falou “ quem será que fez essa merda?” . Como artista que vive de sua arte, há décadas defendeu sua obra com unhas e dentes, enquanto conversávamos no entorno do Chafariz da Paz, várias foram as famílias que pararam e tiraram selfies, crianças sentadas na borda, uma vivacidade impressionante, cutuquei o artista e perguntei: – Olha a criançada brincando! Essa é a tua obra mais popular? -Do povo para o povo! Ele respirou fundo, com olhos brilhantes e emotivos e me respondeu: -É, não havia me dado conta disso, é a minha obra mais popular!

Bonito ou não, ali é sem dúvida nenhuma, um lugar muito especial para mim; no entorno do chafariz já tive conversas decisivas para minha vida, estética e beleza é uma questão de gosto pessoal. Sou filho de escultor, e toda forma de arte me toca, espero ansiosamente pelo o dia do retorno das pombas brancas da PAZ!

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